A experiência de unir gerações tão distantes uma da outra está sendo feita em Portugal. O governo criou o programa Aconchego e, assim, está resolvendo dois problemas de uma vez: dá moradia para estudantes universitários que não têm como pagar aluguel e arranja companhia para pessoas mais velhas que vivem sozinhas, isoladas socialmente. Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes. Mas, proporcionalmente, é um dos países com maior número de homens e mulheres com mais de 65 anos. Muitos deles levam uma vida muito solitária. A experiência está dando certo.
Veja os detalhes do programa criado por autoridades portuguesas neste artigo de André Aram para o Uol:
Sessenta e quatro anos separam o estudante cearense Carlos Gadelha e a simpática dona Albertina Monteiro de 90 anos. Desde setembro de 2020, o estudante de mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas na Universidade do Porto, divide o lar e as vivências com a senhora portuguesa como parte de um programa social inédito, o Programa Aconchego.
Estudantes que moram no interior de Portugal e não têm recursos financeiros para viver nos grandes polos universitários como a cidade do Porto podem viver sem custo de aluguel (em torno de 450 euros em residências estudantis), na casa de uma pessoa idosa solitária, auxiliando nas tarefas do cotidiano.
“Tem sido um ambiente enriquecedor, ela é uma senhora muito antenada no que acontece no mundo e a sua volta, ela se adaptou muito bem ao mundo atual, e isso cria uma ponte entre a gente. Criamos as nossas rotinas, como o dia do filme e a hora do nosso café”, conta Gadelha, 26, natural de Fortaleza (CE).
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O projeto Programa Aconchego foi criado em 2004 pela Câmara Municipal do Porto em parceria com a FAP Social (Federação Acadêmica do Porto), com o objetivo de solucionar dois problemas:
O elevado número de estudantes universitários não residentes no concelho do Porto, que necessitavam de um alojamento na cidade; O elevado número de idosos com mais de 60 anos, vivendo em situação de solidão e/ou isolamento social.
De acordo com a Diretora de Departamento Municipal de Coesão Social, Raquel Castelo Branco, a partir dessas duas dificuldades aparentemente intransponíveis, foi possível obter uma única solução. “Uma excelente oportunidade para fomentar as relações intergeracionais e promover um envelhecimento ativo”, declara Castelo Branco, que coordena a equipe técnica que operacionaliza todas as fases do programa.
A nonagenária Albertina é só elogios ao jovem “roommate”. “Ele é um rapaz muito competente e educado, uma companhia sensacional, sempre atencioso comigo. Ele tem sido um grande amigo, espero continuar sendo enquanto estiver viva, pois já tenho muitos anos. Ambos fizemos uma boa escolha”, disse ela que faz parte do Programa Aconchego desde o início. Albertina conta que já recebeu várias estudantes e mantém contato com todos até hoje.
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Segundo dados do INE de 2020 (Instituto Nacional de Estatística), Portugal possui 2,2 milhões de pessoas acima de 65 anos, e uma população total em torno de 10,3 milhões. Com um número tão elevado, é comum a terceira idade viver sozinha, muitas vezes em residências que dispõem de espaço.
Quem pode participar?
Os interessados em participar precisam atender alguns requisitos. Os idosos precisam ter mais de 60 anos, morar no Porto (na Baixa, zona central da cidade) e ter um cômodo com condições para acolher um estudante. Podem viver sozinhos ou com um cônjuge, desde que tenham capacidade para receber alguém. Já os estudantes devem ter entre 18 e 35 anos, não ser do Porto (pode ser estrangeiro) e se comprometer com o acompanhamento e melhoria da qualidade de vida de seus anfitriões.
Apesar de o universitário não ter que arcar com o aluguel de um alojamento, que representa o gasto mais alto, ele precisa colaborar com uma taxa mensal de 25 euros para o dono da residência, e pode também contribuir (se desejar) com alguma despesa da casa, como mercado ou mesmo alguma conta como luz ou gás.
O Programa Aconchego funciona de acordo com o calendário letivo, com duração de um ano que pode ser renovado. O estudante mora de segunda a sexta-feira na residência e tem o final de semana facultativo, quando alguns aproveitam para viajar e visitar a família. O acadêmico não é uma espécie de “cuidador”, mas alguém que faça companhia, principalmente à noite e colabore indo ao mercado, farmácia, esclarecendo dúvidas sobre tecnologia (como usar o celular ou computador) ou mesmo ajudando a preparar uma refeição.
Todas as fases do projeto são acompanhadas de perto pelo Departamento Municipal de Coesão Social da Câmara Municipal do Porto e pela FAP Social. Os interessados em participar (tanto discente quanto sênior) precisam preencher um formulário no site da organização — ali, o idoso pode descrever o perfil de jovem que prefere receber. Ambos são avaliados, o estudante passa por uma entrevista e apresentação, em seguida a equipe responsável une aqueles que possuem personalidades parecidas. Após um primeiro encontro positivo, avança-se para o próximo passo. Caso contrário, busca-se outro candidato que se encaixe nas características do anfitrião.
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Um projeto em expansão
Boas iniciativas merecem ser copiadas, mesmo porque o projeto não demanda alta complexidade, mas uma seleção apurada para que o “match” dê certo entre as partes envolvidas. Segundo Castelo Branco, o Programa já foi replicado em outras cidades portuguesas e poderá ser reproduzido em qualquer cidade que tenha a necessidade de dar respostas a estes dois problemas e que possua entidades capazes de implementar o projeto.
O sucesso na cidade do Porto se expandiu para Coimbra, que criou em 2009 o projeto Lado a Lado com o mesmo objetivo. O obstáculo enfrentado pela iniciativa diz respeito ao número insuficiente de alojamentos de idosos para atender a alta demanda dos estudantes.
De 2010 a 2018, em torno de 424 pessoas foram beneficiadas pelo Programa Aconchego.
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