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Assim como a jornalista Ruth Aquino, eu morei em Londres durante muitos anos. E concordo com cada palavra que ela, com sua sensibilidade, escreveu neste texto, publicado em sua coluna semanal, em O Globo. A cidade realmente não sai da gente.
Ruth já morou lá. E retornou agora para o lugar que é sua paíxão: ‘Como diz o escritor Paul Theroux, hoje com 83 anos, “Londres não é uma cidade; é mais um país, e viver nela é como viver na Holanda ou na Bélgica; é tão grande que cada um pode inventar sua própria cidade,”comenta ela.
Há várias formas de conhecer Londres – pode-se ir a turismo, a negócios, para estudar.
Leia o que Ruth Aquino escreveu sobre Londres, considerada a cidade mais cosmopolita de todas:
“Encantamento. É o que sinto ao vir morar em Londres por uns meses. Estou num sala-e-quarto, no térreo, com bay windows que abrem para um jardim comunitário de uma fileira de casas geminadas de tijolinhos, construídas em 1880, com pé direito de 3,6 metros. Nesse jardim, florido e arborizado, moram duas tartarugas imensas e uma infinidade de pássaros.
Vizinhos, estrangeiros e ingleses, passeiam na grama, me cumprimentam, perguntam de onde venho, oferecem ajuda se eu precisar. Dois bancos de madeira têm plaquinhas homenageando ex-moradores que prezavam jardinagem e já se foram. O silêncio absoluto, a cordialidade, o respeito a regras de convivência. Não tem preço.
Vim com o receio de me desapontar ao reencontrar uma antiga paixão mudada. Não é mais Europa. É absurdamente cara para fazer turismo convencional. Mas, pensei. Para mim, Londres nunca foi Europa nem nos anos 1970. Ingleses diziam que, nas férias, iriam “to Europe” ou “to the continent”. E nunca fui turista aqui.
É uma ilha, com a mão trocada, casas de poucos andares. Muita dimensão de céu, com nuvens que correm com o vento. Neste maio, houve dias com temperaturas que variavam de 8 a 23 graus. O clima muda de repente. É preciso ser criativo ao se vestir. London Weather Forecast é uma ciência.
Ser respeitada como pedestre é indescritível. Ainda existe a faixa com postes e luminárias amarelas, e o zig-zag no asfalto. É só você estar na calçada, e o carro ou o ônibus ou a moto param. Não precisa ser um dos Beatles ou estar na Abbey Road. Acho um milagre esse respeito à pessoa que atravessa uma rua. Nas vielas, faço sinal para o motorista passar, mas ele retribui com o mesmo sinal. Não escuto buzinas, e os ônibus vermelhos não emitem ruído. Não tem preço.
Outro enlevo é a segurança. Faz mal, sem que a gente perceba, a paranoia de ser assaltada. Ter de entrar numa loja ou mercado para falar no celular. Em Londres, há uma profusão de pessoas falando sozinhas, com fones, escrevendo mensagens e fotografando a primavera. Eu caminho como se estivesse em outro planeta. Perder esse medo é um alívio.
A educação ainda me surpreende. Comprei pela internet um celular usado com número inglês, por ser útil no dia-a-dia. O iPhone foi deixado por engano em outra casa na esquina da mesma rua. Quem recebeu veio aqui, bateu na porta e me entregou o aparelho. Percebi que estava em Londres.
Recebo da prefeitura sacos de lixo reciclável com orientações. Deixar todo o lixo, orgânico ou não, acima da escada do porão, do lado de fora, de manhã cedo, dois dias na semana. Moradores são multados se não cumprirem as instruções. É preciso vedar bem os sacos pretos por causa das “foxes”. As raposas. Ainda não as encontrei.
Fui a algumas exposições, mas ainda aprendo sobre o bairro. Estou 20 minutos a pé do Hyde Park e do Rio Tâmisa. Entrei num pub para rever uma deliciosa amiga: minha half pint de Guinness. Fui servida por um polonês simpático. Outra vantagem de Londres. Minha vizinha do basement é paquistanesa. A médica é indiana e cobre cabelos com véu. Não conheço outra cidade tão cosmopolita, nem NY. Não tem preço essa convivência com outras culturas.
Londres tem mais de 3 mil parques, com lagos, patos e cisnes. Uma vez, nos anos noventa, atravessei parte da cidade pelos parques, a pé. Fui do St James Park até Primrose Hill, onde comi no pub em que Engels e Marx discutiram “O Capital”. Não consegui prosseguir até o Hampstead Heath, o ponto mais alto de Londres. Fui vizinha desse parque e da casa do Freud.
Como diz o escritor Paul Theroux, hoje com 83 anos, “Londres não é uma cidade; é mais um país, e viver nela é como viver na Holanda ou na Bélgica; é tão grande que cada um pode inventar sua própria cidade. As distâncias iludem. Minha Londres não é a sua Londres, embora Washington DC seja mais ou menos a mesma para todo mundo”. Se houver exagero meu ou de Theroux, sorry. O amor turva a visão.
É possível viver aqui como se estivesse no campo, no countryside. Com as galerias e opções culturais dos centros urbanos. E isso não tem preço.”