É imensa a perda para todos nós do argentino Quino, que deu vida, na década de 1960, a uma das personagens mais admiradas no mundo: a brilhante Mafalda, menina de seis anos preocupada com a humanidade, com o meio ambiente e a paz mundial, conhecida pelos comentários mais ferinos sobre as injustiças sociais. Como lembrou André Cáceres em um artigo para o Estadão, “apesar de ter durado menos de uma década e ter sido descontinuada há 47 anos, Mafalda conseguiu o que pouquíssimos cartuns foram capazes: manter-se atual e atemporal muitos anos depois.”
Leia mais sobre Quino e sua mais importante criação:
O cartunista argentino Quino, criador das tirinhas da Mafalda, morreu nesta quarta-feira (30), aos 88 anos. A morte foi confirmada pelo jornal “La Nación” e por Daniel Divinsky, editor do cartunista. “Morreu Quino e, com isso, todas as pessoas boas deste país e do mundo irão chorar”, publicou Divinsky nas redes sociais. Nascido em 17 de julho de 1932, em Mendoza, onde voltara a viver desde 2017, quando sua mulher Alicia Colombo faleceu, Joaquín Salvador Lavado era o mais renomado cartunista do mundo hispânico.
“A tristeza é absoluta”, disse uma pessoa próxima à família ao “La Nación”. Diversas fontes afirmaram ao jornal argentino que Quino faleceu por condições próprias da idade. Segundo o “Clarín”, o cartunista sofreu um AVC na semana passada. Nos últimos anos, por conta de problemas de circulação nas pernas, passou a se locomover de cadeira de rodas. Também tinha glaucoma, o que afetou-lhe seriamente visão. No entanto, pessoas que vivam próximas a ele afirmaram que o cartunista não perdeu o ânimo nos últimos meses.
As tirinhas de Mafalda, a menina sabichona, respondona e de esquerda, foram publicadas em mais de 35 idiomas. As 1.928 tirinhas de Mafalda foram criadas durante nove anos, entre 1964 e 1973. “Mas nunca terminei de aprender a desenhá-la”, afirmou há alguns anos. Malfalda é a tirinha latino-americana mais vendida do planeta e, cinco décadas depois, os comentários da menina continuam supreeendentemente atuais.
‘Desenhei-a por nove anos e segue atual. Uma pena, não?’
Depois de Mafalda, Quino não voltou a ter outro personagem fixo em suas tirinhas. “Desenhei-a por nove anos e segue atual. Uma pena, não?”, disse na abertura da 40ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, quando confessou sentir muito carinho por sua personagem e por tudo o que ela lhe deu.
Quino recebeu o apelido que o tornou famoso ainda na infância; Seus pais, espanhóis da Andaluzia, escolheram o diminutivo para diferenciá-lo de seu tio, Joaquín, de quem herdou o nome e o gosto por desenhar.
Aos 18 anos, Quino trocou Mendoza por Buenos Aires. Aos 22, publicou sua primeira tirinha, no semanário “Esto es”. O primeiro livro, “Mundo Quino”, saiu em 1963, um ano antes da criação de Mafalda, que estreou na revista “Primera Plana”. Mafalda é uma menina de classe média, que gosta dos Beatles, não gosta de sopa e tem sempre na ponta da língua comentários agudos sobre as injustiças sociais. A partir de 1965, Mafalda e seus amigos (Susanita, Manolito e outros) passaram a estampar as páginas do jornal “El Mundo”, um dos mais influentes da Argentina à época.
Em 2018, Quino criticou a apropriação de Mafalda por movimentos que se opõem ao direito ao aborto na Argentina: ““Foram divulgadas imagens de Mafalda com o lenço azul claro que simboliza a oposição à lei de interrupção voluntária da gravidez. Não autorizei isso, não reflete minha posição e peço que seja removida. Sempre acompanhei causas sobre direitos humanos em geral e os direitos da mulher, em particular, e a elas desejo sorte em suas reivindicações”, escreveu em comunicado divulgado por sua família e publicado pela imprensa local.
A última homenagem
Quino colecionou prêmios ao longo da carreira. Entre os mais prestigiosos estão a Ordem Oficial de Honra do Governo Francês e o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades, recebido em 2014, quando Mafalda completou 50 anos.
Em julho, quando completou 88 anos, Quino foi homenageado por Mendoza, sua cidade natal. A “Quinopédia” aconteceu via streaming e o cartunista recebeu um “abraço virtual” de milhares de pessoas, que lhe enviaram desenhos, fotos, vídeos e mensagens. Antes de se restabelecer em Mendoza, Quino vivera entre Buenos Aires, Madri e Milão, na Itália.