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Carta à minha mãe

Mãezinha do céu, é calor extremo, chuva extrema, mosquitos extremistas passando doenças esquisitas para o povo desprevenido, homens matando mulheres como se elas fossem moscas. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

Ei mãe! Você me viu na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, no dia 18? Fui à missa, como a senhora pediu. Oito meses já se passaram. As missas, agora, substituem as ligações que eu fazia para a senhora, quando sentia saudade.

O padre falou, na hora da comunhão, que Jesus teria dito aos seus apóstolos que quem comesse da sua carne e bebesse do seu sangue jamais morreria.

A senhora comungou tanto, não é mãe, que deve estar viva aí ao lado Dele.

Se estiver, peça a Ele para agir com mais rigor aqui na terra, porque as coisas estão descarrilhando e uma catástrofe mundial parece iminente.

Será que daí assistem ao noticiário no mundo ou ficam só na flauta, dançando e cantando louvores, como na missa, libertos, finalmente, da penação que é isso aqui?

Têm razão se for assim. A senhora fez muito bem de partir, antes que tudo chegasse ao ponto de ebulição em que estamos.

Mãezinha do céu, é calor extremo, chuva extrema, mosquitos extremistas passando doenças esquisitas para o povo desprevenido, homens matando mulheres, como se elas fossem moscas. Isso, no Brasil.

Fora, nem te conto: guerras, vulcões, inundações no deserto, terremotos, crianças que nasceram só para morrer de forma violenta, migrantes correndo daqui para acolá, sem lugar para se esconder e viver em paz. Parece o início dos tempos. Ou o fim.

Jesus está acompanhando tudo isso de braços cruzados? Não vai voltar, não?

Se bem que é melhor não voltar. Não dura um dia na terra. Os homens estão armados até os dentes e é tudo olho por olho, dente por dente.

Mas não quero preocupar a senhora. Fica aí tranquila, na paz do Senhor. Aqui, cuidamos para não sermos exterminados.

Às vezes penso que talvez até fosse uma solução: o fim dos humanos, a terra de volta aos animais e às plantas. Depois de tudo desinfetado, despoluído, equilibrado, Jesus pode voltar.

Será que Ele está quietinho por que treina vocês para essa nova vinda à terra?

Sinceramente, adoraria acreditar nisso. Que há um plano maior para a redenção da humanidade, que Deus existe, que Cristo vai voltar com um séquito de anjos para criar uma nova raça.

O povo tem rezado. Mas é Igreja demais, interpretações demais das sagradas escrituras, virou uma bagunça. Eu estou perdendo a esperança.

Não sei se voltaremos a nos encontrar. Por isso, irei à missa todo dia 18, até fazer um ano da sua ida. Essa é a linguagem que eu sei que a senhora entende.

Considere isso uma maneira que encontrei de dizer que continuo te amando. Que sinto muito sua falta. E que agradeço por me ter escolhido para ser sua filha.

Descanse aí, quietinha. Aqui, continuamos desorientados, sem um pingo de controle sobre nosso destino. Tudo é incerteza.

O jeito é aceitar, seguir as leis e tocar o barco, rezando o salmo 43. Sem fé, mãezinha, a dor de existir seria insuportável.

Um abraço apertado.

Fique com Deus!

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