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O que nos ensinam as Zonas Azuis em termos de alimentação e exercícios

A grega Athina Mazzari, cuja alimentação é praticamente baseada em itens que ela própria prepara. Foto: Gabriel Martinez

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O grande interesse de um mundo que envelhece a passos largos nas chamadas blue zones, ou zonas azuis, se deve ao fato de nessas cinco áreas do mundo ser comum encontrar pessoas com cem anos ou mais, com saúde e ativas.

Nesta excelente reportagem de Lilian Liang para o Estadão, ela explica que “a alimentação é um dos pontos que mais gera curiosidade quando se trata de zonas azuis. Como as populações que vivem nessas regiões comem? Que ingredientes compõem suas refeições? É possível reproduzir essa dieta não estando numa blue zone?” É o que as pessoas querem saber.

Ouvido na reportagem, o médico Marcel Hiratsuka, do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que não é preciso viver numa blue zone para ter uma alimentação que favoreça a longevidade. “A dieta do mediterrâneo é caracterizada por verduras frescas, ervas, peixes, castanhas e azeite. No Brasil temos bom acesso a verduras e frutas o ano todo, a preços razoáveis,” afirma ele.

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A grega Athina Mazari, 65 anos, nunca pensou que as receitas feitas em sua modesta cozinha rodariam o mundo. Só se deu conta de que os pratos que aprendeu a preparar ainda menina faziam sucesso quando um casal de turistas poloneses apareceu em sua porta, com uma cópia do livro Blue Zones Kitchen: 100 recipes to live to 100 (Cozinha das Zonas Azuis: 100 receitas para viver até os 100, em tradução livre, ainda não disponível no Brasil), para que ela autografasse. O livro é de autoria do pesquisador e explorador Dan Buettner, um dos descobridores das blue zones, e o capítulo da Grécia trazia receitas de Athina.

Blue zones foi o nome dado a cinco regiões do planeta onde pesquisadores observaram que as pessoas vivem mais do que a média e com saúde. Nesses locais, não é incomum encontrar centenários cuidando do jardim, cavalgando, cozinhando ou trabalhando. Buettner, em conjunto com pesquisadores, caracterizou como blue zones as seguintes localidades:

Nicoya, na Costa Rica
Loma Linda, nos Estados Unidos
Okinawa, no Japão
Icária, na Grécia
Sardenha, na Itália

A alimentação é um dos pontos que mais gera curiosidade quando se trata de zonas azuis. Como as populações que vivem nessas regiões comem? Que ingredientes compõem suas refeições? É possível reproduzir essa dieta não estando numa blue zone? Visitei essas regiões em uma expedição de dois meses para buscar entender esse e outros pilares do envelhecimento saudável – além da dieta e atividade física, são tratados como pontos fundamentais ter um propósito de vida e manter bons relacionamentos. Essa é a primeira de uma série de três reportagens que explora essas questões.

Comida de verdade
As receitas que Athina prepara para sua família – e que são as mesmas que aparecem no best seller – dão algumas pistas. Muitos grãos, verduras, legumes e ervas, colhidos de sua própria horta. Azeitonas, que ela mesma prepara. Queijo, feito com leite de suas próprias cabras. Pão, feito em casa. A carne, geralmente frango ou peixe, aparece no cardápio apenas uma vez por semana. O vinho que acompanha as refeições, sempre caseiro. “Nada falta na minha casa. As únicas coisas que compro são arroz e spaghetti”, diz ela. O que Athina descreve é o que se conhece popularmente como dieta mediterrânea.

Essa mesma alimentação pode ser observada na Sardenha, outra blue zone localizada no mar Mediterrâneo. Segundo o pesquisador e médico Gianni Pes, que identificou a zona azul italiana, a dieta na região não foi sempre a mesma. Houve uma modificação qualitativa e quantitativa da dieta depois da Segunda Guerra Mundial, como o maior consumo de legumes e frutas.

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“O cultivo de árvores frutíferas nessas áreas surgiu há pouco tempo. Antes disso, a população comia sobretudo os produtos da atividade pastoril: lacticínios, queijo, leite e também carne, embora raramente. Durante a transição alimentar, no entanto, o consumo de leguminosas e certos vegetais aumentou. Portanto hoje a dieta da zona azul da Sardenha assume as características da dieta mediterrânea típica”, completa.

A ênfase em vegetais, legumes e grãos também pode ser observada nas outras blue zones, mas isso não quer dizer que não haja particularidades regionais. Enquanto na Península de Nicoya, na Costa Rica, o alimento básico é o milho, em Okinawa, no Japão, quem ocupa esse espaço é a batata doce. E na cidade de Loma Linda, na Califórnia, EUA, cereais integrais estão no centro da alimentação. É comum os residentes dessas regiões cultivarem os alimentos em suas próprias hortas e jardins – com exceção de Loma Linda, que é uma blue zone urbana.

Esse destaque a uma dieta baseada em vegetais não quer dizer que a alimentação nas blue zones seja vegetariana, ou mesmo vegana, como muitos acreditam. Todos os especialistas entrevistados ressaltaram o fato de as populações nessas regiões consumirem carne, ainda que em quantidades moderadas.

“Nunca faltou o consumo de proteínas animais. O leite e o queijo representavam um pilar da alimentação nessas regiões, como seria de esperar numa população pastoril. Mesmo a carne, embora não fosse consumida com tanta frequência como hoje vemos, não faltava na mesa dessas famílias”, explica Pes, da Universidade de Sassari. “Temos dados que mostram que o consumo de carne chegava a quatro vezes por mês, portanto, uma vez por semana. A carne era consumida aos domingos, feriados, ou mesmo em festas locais.”

O pesquisador e médico Gianni Pes, que identificou a zona azul italiana. Foto: Gabriel Martinez

Pes destaca que esse consumo foi provavelmente o que evitou que os idosos dessas regiões perdessem massa corporal magra, condição conhecida como sarcopenia, prevenindo suas consequências, como perda de força e redução do desempenho físico, e assegurando um envelhecimento de qualidade. “É uma condição potencialmente muito grave, porque o idoso sarcopênico tem dificuldades de locomoção e mobilidade, correndo o risco de nunca mais sair de casa”, esclarece.

“A literatura mais recente também traz dados de estudos americanos importantes, com um grande número de pessoas, que estabeleceram que antes dos 65 anos o consumo excessivo de carne pode ser prejudicial à saúde, mas a partir dos 65 anos o consumo de carne não é associado ao aumento da mortalidade, mas sim ao aumento da longevidade.”

Marcel Hiratsuka, médico assistente do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que não é preciso viver numa blue zone para ter uma alimentação que favoreça a longevidade. “A dieta do mediterrâneo é caracterizada por verduras frescas, ervas, peixes, castanhas e azeite. No Brasil temos bom acesso a verduras e frutas o ano todo, a preços razoáveis. O azeite e a castanha são alimentos caros para nossa realidade, mas suas gorduras boas podem ser encontradas em peixes como tainha, sardinha e cavalinha”, diz.

Uma das dificuldades de se reproduzir no Brasil a alimentação das blue zones é o fato de os produtos serem orgânicos nessas regiões. “Não há políticas públicas no Brasil para que o orgânico seja oferecido em escala populacional. E eles são muito mais caros”, pontua. “Mas uma possibilidade seria investir em hortas comunitárias, porque há espaços públicos no Brasil em que pode se produzir para a comunidade. No Japão, por exemplo, onde há restrição de espaço, eles usam espaços mínimos para plantar para o bairro, para a região.”

Sempre em movimento

Nada de passar horas na academia. Nas blue zones, o movimento faz parte da rotina.

É o caso de Cecília Gutierrez-Pissaro, de 97 anos. Viveu a vida toda em Arado, uma área rural de difícil acesso em Nicoya, na Costa Rica. Sua casa fica no topo de uma montanha e para chegar à sua propriedade é preciso atravessar um rio e subir uma ladeira íngreme. Quando jovem, gostava de frequentar os bailes e dependendo da altura do rio, cruzava a cavalo ou a pé.

Doña Chila, como é conhecida, teve uma vida inteira de movimento. Conta que trabalhou a vida toda no campo, plantando, colhendo, cuidando dos outros camponeses. Também fazia biscoitos e tamales para vender, atividade que mantém até hoje. “É preciso trabalhar. Dizem que o trabalho mata, mas olhem para mim. Trabalhei a vida toda e continuo aqui, lutando”, diz.

A idosa tem uma ótima forma física para alguém com quase cem anos. Anda sem necessidade de ajuda, com equilíbrio e rapidez. Cuida de sua horta sem dificuldades. Passa longos períodos em pé, embalando biscoitos e pãezinhos. Acredita que o constante movimento é uma das razões por que ainda consegue ser tão ativa. Aos quase cem anos, Doña Chila ainda cruza o rio a cavalo na época de chuvas. “Mas agora vou acompanhada de meus filhos”, conta.

Cecília Gutierrez-Pissaro, conhecida como doña Chila, que vive em uma área rural de difícil acesso em Nicoya, na Costa Rica, passa o tempo todo em movimento. Foto: Gabriel Martinez

O italiano Attilio Stochino também dá provas dos benefícios do movimento na rotina. Passou boa parte de sua vida trabalhando como pastor de ovelhas, portanto, caminhando por horas e horas nas montanhas da região central da Sardenha, até se mudar para a cidade para trabalhar como padeiro. Aos cem anos, sua forma física é boa o suficiente para usar a bicicleta e o elíptico que tem em casa. Dá cerca de 15 pedaladas em cada, quatro vezes ao dia. Ao final, senta-se no braço do sofá, “porque consigo me levantar mais facilmente dessa altura”, diz ele.

Um estudo conduzido por pesquisadores franceses observou situações semelhantes na blue zone de Icária, na Grécia. A pesquisa analisou o estilo de vida de 71 pessoas com mais de 90 anos, avaliando aspectos como alimentação, contato social e espiritualidade. No quesito atividade física, os achados indicaram que que os idosos participantes – principalmente os homens – apresentavam um nível “muito bom” de atividade física, principalmente em função do trabalho com agricultura e o terreno montanhoso e irregular da ilha.

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Ser fisicamente ativo, portanto, é comprovadamente um fator que contribui para a longevidade. No entanto, Hiratsuka, do HCFMUSP, afirma que as discussões sobre o tema se ampliaram. “Antes se falava muito em atividade física, mas as pesquisas atuais mostram que você pode fazer atividade física e continuar sendo sedentário. Como? Você vai à academia todos os dias por uma hora, faz musculação, esteira, exercícios de equilíbrio e flexibilidade, mas passa as outras 12 horas do dia sentado. Esse comportamento sedentário tem um impacto negativo na nossa saúde, independentemente de fazermos atividades físicas ou não. Por isso, hoje as recomendações são não apenas de prática de atividade física, mas também de combate ao comportamento sedentário. Todo movimento conta”, destaca.

Essa é uma bem-vinda mudança na forma como se encara o movimento no envelhecimento. “O pior cenário, claro, é a pessoa que não faz atividade física e é completamente sedentária. Quem se exercita já ajuda a combater os danos do sedentarismo. Mas algo que os profissionais de saúde passaram a valorizar são os idosos que nunca entraram numa academia, mas que têm uma vida ativa o dia inteiro. Eles têm pernas musculosas, braços fortes, exatamente porque se mexem o dia todo. Só param para dormir”, conta Hiratsuka.

O geriatra compara o estilo de vida das blue zones com o que vivemos no dia a dia. “Nessas regiões as pessoas têm uma vida mais rural, a locomoção é feita a pé. O lazer não é ficar na Internet, mas cuidar do jardim, sair de casa, fazer compras, visitar os amigos. Esse estilo de vida ativo é melhor para nossa saúde, mas nossa vida moderna vai contra isso”, diz.

“Por isso, existem esforços para se melhorar os bairros e as cidades, para que eles se tornem mais atrativos para que as pessoas saiam de casa e caminhem. Ter um bairro com calçadas bem conservadas, iluminação adequada, ciclofaixa, onde você possa circular sem medo, naturalmente incentiva as pessoas a caminhar mais.”

O futuro das blue zones
Muita gente se pergunta se as blue zones continuarão a existir no futuro. Com o fim da agricultura de subsistência e o avanço da urbanização e da tecnologia, os hábitos que levaram à longevidade dessas populações vêm aos poucos mudando e há dúvidas se as novas gerações nessas áreas terão essa longevidade extrema e com qualidade de vida.

A Península de Nicoya é um bom exemplo dessa mudança. Logo na entrada na cidade, no primeiro cruzamento, estão quatro lanchonetes de fast food, uma em cada esquina. O letreiro colorido com os dizeres Nicoya só pode ser visto um pouco mais à frente.

Os alimentos ultraprocessados, com baixo valor nutricional e alto teor calórico, não só vêm substituindo a dieta tradicional para os mais habitantes mais jovens, mas também vem sendo introduzido na dieta dos próprios idosos.

Laura Vindas, nutricionista e pesquisadora da Universidade da Costa Rica, conta que, numa das avaliações que fez com uma residente de Nicoya para um estudo, a idosa relatou que no dia anterior havia tomado “água negra”. Laura só entendeu depois que se tratava de um refrigerante de cola. “Aquela idosa, que tinha à disposição as frutas mais frescas para fazer suco, estava tomando refrigerante”, recorda.

O mesmo fenômeno se observa em Okinawa. A influência ocidental introduzida pelas bases militares norte-americanas na ilha também trouxe consigo o conceito de fast food. “O fast food está em toda parte aqui. Ele se tornou a escolha mais fácil, além de muito gostosa, mas é nutricionalmente pobre e muito densa em calorias”, explica Donald Craig Willcox, professor de saúde pública e gerontologia da Okinawa International University.

As consequências disso já se fazem sentir nas novas gerações, com um aumento acentuado nas taxas de doenças cardiovasculares em Okinawa. Isso, por sua vez, tem um impacto direto na expectativa de vida na região. “A expectativa de vida em Okinawa continua aumentando, mas está caindo em comparação às outras prefeituras (estados), onde esse aumento está acontecendo mais rápido”, diz.

O sedentarismo também vem atingindo em cheio as novas gerações. Não há sistema de metrô em Okinawa, portanto as pessoas tendem a ir de carro para todos os lugares, mesmo quando seria possível fazer o trajeto a pé. “As únicas pessoas que andam são as idosas, que vão ao supermercado, empurram seu carrinho. Elas estão fazendo exercício. Já as pessoas mais jovens dirigem para todos os lugares”, conta Willcox.

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Estudos mostram que a genética tem um papel considerado pequeno quando o assunto é longevidade – apenas 10 a 20% pode ser atribuído a ela. O restante, enfatizam os especialistas, são resultado de hábitos e estilo de vida ao longo dos anos.

“A genética tem um papel relevante, mas a nossa forma de viver – na qual se incluem atividade física e alimentação, além de sono adequado, não exposição a cigarro, moderação no álcool –– é a maior composição para ter sucesso no envelhecimento, para se viver bastante e com qualidade”, conclui Hiratsuka.

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